Por: Bruno Parentoni, Advogado Criminalista

No Ag.Reg. no Recurso Ordinário em Habeas Corpus 214.636, interposto pelo Ministério Público de Santa Catarina no Supremo Tribunal Federal, o parquet buscava a reforma da decisão do Ministro Relator, Ricardo Lewandowski, que determinou ao Juízo de origem a intimação da vítima para manifestar interesse em representar contra o acusado, no prazo de 30 dias, sob pena de decadência, nos moldes do previsto no art. 91 da Lei 9.099/1995 e art. 3º do CPP.

A controvérsia, em breve resumo, foi sobre a retroatividade ou não da norma contida no art. 171, § 5º, do CP (necessidade de representação da vítima, como condição da ação, na maioria dos casos de estelionato) e se o simples fato da vítima realizar o Boletim de ocorrência, depor perante a autoridade policial e em juízo, já demonstram o interesse inequívoco da vítima no processamento da ação penal.

O MP catarinense, alegou a irretroatividade da atual redação do artigo supramencionado, requerendo que fosse definida “a irretroatividade da persecução penal onde a inicial acusatória já havia sido recebida ao tempo de sua entrada em vigor”.

Bem como, para que “se considere como satisfeita, no caso concreto, a representação da vítima, dadas as suas manifestações inequívocas em prol do processamento do acusado”.

O Ministro negou provimento ao agravo regimental, mantendo integralmente a decisão recorrida. Rebateu as alegações do MP/SC, sob dois argumentos:

Registrei, primeiro, que a anterior a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal orientava-se no sentido de ser “[i]naplicável a retroatividade do § 5º do artigo 171 do Código Penal, às hipóteses onde o Ministério Público tiver oferecido a denúncia antes da entrada em vigor da Lei 13.964/2019; uma vez que, naquele momento a norma processual em vigor definia a ação para o delito de estelionato como pública incondicionada, não exigindo qualquer condição de procedibilidade para a instauração da persecução penal em juízo”. (HC 187.341/SP, rel. Min. Alexandre de Moraes).

Nesse mesmo sentido, apontei as seguintes decisões monocráticas proferidas por integrantes desta Segunda Turma em casos semelhantes: HC 195.384/SP, de minha relatoria; RHC 189.807/SC, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes; e RHC 196.789/SP, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia.

Observei, todavia, que a partir do julgamento do HC 180.421/SP, de relatoria do Ministro Edson Fachin, ocorrido em 22/6/2021, esta mesma Segunda Turma, à unanimidade, decidiu pela retroatividade da necessidade de representação da vítima nas acusações, em andamento, por estelionato, crime em relação ao qual a Lei 13.964/2019 alterou a natureza da ação penal para condicionada à representação da vítima (§ 5º do art. 171 do Código Penal).

Assim, afirmou-se a aplicação da nova norma aos processos e andamento, mesmo após o oferecimento da denúncia, desde que antes do trânsito em julgado.

Indiquei que essa necessidade de intimação da vítima, aliás, foi reafirmada no julgamento ARE 1.249.156-AgR-ED/SP, de relatoria do Ministro Edson Fachin, ocasião em que este Órgão Colegiado decidiu que a representação não pode ser tácita, sendo indispensável declaração expressa do ofendido quanto ao seu desejo na instauração da persecução penal.

(…)

Em seguida, enfatizei que, no caso sob exame, não existem informações nos autos acerca da manifestação inequívoca da vítima sobre seu desejo na instauração da persecução penal contra o ora recorrente, sendo insuficiente a afirmação do Tribunal de Justiça local de que “o interesse desta na persecução penal pode ser extraído dos elementos do existentes nos autos (registro do boletim de ocorrência, pelos depoimentos prestados diante da autoridade policial e judicial, assim como por sua disponibilidade em auxiliar na investigação do caso.

Tal decisão se reveste de importante precedente para o âmbito processual penal, pois reforça que a representação da vítima do crime de estelionato não pode ser tácita, ou seja, não é presumida pelo Boletim de Ocorrência ou outras atividades da vítima, há de ser patente e indiscutível.

Além disso, reafirma a jurisprudência da Segunda Turma do STF, no sentido de que a representação se faz necessária para processos em andamento, desde que antes do trânsito em julgado. Em outras palavras, a norma, contida no art. 171, §5º do CP, retroage.

 

Roberto Parentoni

Roberto Parentoni

Dr. Roberto Parentoni é advogado criminalista desde 1991 e fundador do escritório Parentoni Advogados. Pós-graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, é especialista em Direito Criminal e Processual Penal, com atuação destacada na justiça estadual, federal e nos Tribunais Superiores (STJ e STF). Ex-presidente do Instituto Brasileiro do Direito de Defesa (IBRADD) por duas gestões consecutivas, é também professor, autor de livros jurídicos e palestrante, participando de eventos e conferências em todo o Brasil.