Por:  Igor Lopes Salmeirão, Advogado Tributarista

A reforma tributária trará uma série de mudanças que terão grande impacto na vida de todos os brasileiros. Para entender o que será alterado, dividimos a reforma em sete tópicos.

  • Novos Princípios Tributários

A PEC 45/2019 inclui o §3º no art. 145 da Constituição Federal. Essa previsão soma cinco novos princípios de observância obrigatória ao Sistema Tributário Nacional: simplicidade, transparência, justiça tributária, equilíbrio e defesa do meio ambiente.

“§ 3º O Sistema Tributário Nacional deve observar os princípios da simplicidade, da transparência, da justiça tributária e do equilíbrio e da defesa do meio ambiente.”

Já havia tributaristas que defendiam a existência de todos esses princípios de maneira expressa ou implícita na Constituição. No entanto, agora, a preocupação com o meio ambiente, por exemplo, é de observância obrigatória pelo Sistema Tributário Nacional. Isso tem impactos profundos em como os entes federados (União, Estados, Distrito Federal e municípios) devem pensar, elaborar e cobrar os tributos de sua competência. Já se observa o impacto dessa nova diretriz nas alterações trazidas ao IPVA e no Imposto Seletivo, como se verá a seguir. Não seria de se surpreender que atividades que gerem maior impacto ambiental, tais como a exploração de recursos minerais, derivados de petróleo e até mesmo o agronegócio possam experimentar cargas tributárias mais elevadas em razão desse princípio.

Por outro lado, princípios como a justiça tributária e simplicidade, embora pudessem ser depreendidos da interpretação sistemática da Constituição, agora ganham mais força, por serem expressos. A justiça tributária obrigará o Estado a combater a regressividade do sistema tributário (que é o fenômeno de que quem ganha menos acaba pagando mais tributo), sobretudo na tributação sobre o consumo, que impacta mais severamente as camadas mais pobres da sociedade. A Reforma já traz aplicações desse princípio com a Cesta Básica Nacional e o programa de cashback, de que trataremos mais tarde.

A simplicidade, por sua vez, impõe a redução da quantidade de obrigações acessórias (como guias, declarações, notas etc.), a redução dos casos de substituição tributária e a redução da quantidade de tributos que incidam sobre o mesmo fato gerador (sobre a receita das pessoas jurídicas incide imposto de renda, CSLL, PIS/COFINS, contribuições sociais etc.).

A adição desses cinco princípios é bem-vinda, seja porque ajudam na evolução de nosso Sistema Tributário rumo a uma tributação mais justa e equilibrada, seja por dar mais concretude e segurança a prerrogativas que já estavam previstas na Constituição, ainda que de maneira implícita, mas que agora ganham mais corpo e passam a ser passíveis de exigibilidade pelo contribuinte frente a Administração Tributária e perante o Poder Judiciário. Basta lembrar que o Estado, seja a Administração Pública, seja o Poder Judiciário, devem obediência total à Lei e à Constituição, e não podem fazer qualquer coisa senão aquilo que lhes está expressamente autorizado – é o que impõe o princípio da legalidade estrita.

  • Alterações no ITCMD

O Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação é imposto estadual que incide sobre o patrimônio transferido aos sucessores de quem morre (herdeiros e legatários) e sobre o valor transmitido a título de doação.

Atualmente, a Constituição prevê uma alíquota máxima definida por Resolução do Senado Federal, podendo cada Estado optar, por lei própria, pela alíquota que preferir. Na Resolução n. 9 de 1992, o Senado definiu a alíquota máxima de 8% para o ITCMD, além de prever que os Estados, em legislação própria, pudessem adotar a progressividade.

Progressividade é o mecanismo previsto na Constituição para atingir o princípio fundante do Sistema Tributário Nacional: a capacidade contributiva. Segundo esse princípio, cada um contribuirá para com as despesas do Estado segundo sua capacidade – aqueles quem tem mais condições financeiras pagarão mais tributos; aqueles que tem menos, pagam menos. A progressividade impõe que as alíquotas de um tributo sejam mais elevadas segundo o quão maior for sua base de cálculo. Isso fica bastante visível quando analisamos o imposto de renda. Para aqueles quem tem renda baixa, há isenção de imposto de renda. Conforme cresce a renda, cresce também a alíquota, até o máximo de 27.5%.

Hoje, portanto, a progressividade do ITCMD é opcional, cabendo a cada Estado decidir aplicá-la ou não. No entanto, a Reforma Tributária alterou a redação constitucional que trata do ITCMD e passou a prever a obrigatoriedade da progressividade nesse tributo. Vejamos a inclusão do inciso VI ao art. 155 da Constituição proposta na PEC 45/2019:

VI – será progressivo em razão do valor da transmissão ou da doação; e

A partir da promulgação da Reforma Tributária, caso ocorra, o ITCMD será obrigatoriamente progressivo: o valor pago a título de tributo será tão maior quanto mais elevado for o patrimônio transferido. É certo esperar a edição de tabelas de ITCMD pelos Estados, semelhante à tabela de imposto de renda.

No entanto, a Reforma não excluiu a previsão do inciso IV, §1º do art. 155, que é o dispositivo que prevê a alíquota máxima de que falamos acima. Portanto, ainda que progressivo, haverá um teto para o quanto se pode cobrar de heranças e doações, que continuará sendo de 8% até que o Senado o altere.

Houve ainda uma segunda alteração no ITCMD no que se refere às transmissões feitas a entidades beneficentes e cultos religiosos. A Reforma incluí o inciso VII ao §1 do art. 155 da Constituição.

VII – não incidirá sobre as transmissões e doações para as instituições sem fins lucrativos com finalidade de relevância pública e social, inclusive as organizações assistenciais e beneficentes de entidades religiosas e institutos científicos e tecnológicos, e por elas realizadas na consecução dos seus objetivos sociais, observadas as condições estabelecidas em lei complementar.

Nota-se que as doações e transmissões causa mortis feitas às instituições beneficentes, entidades religiosas e a suas organizações assistenciais e beneficentes agora gozarão de imunidade de ITCMD. Trata-se de uma expansão da imunidade tributária prevista no art. 150, inciso VI, alíneas “b” da Constituição, que tratava dos cultos e templos, agora também para às instituições beneficentes instituídas por essas organizações religiosas.

É importante destacar que, diferente do que ocorre com os templos e cultos, a imunidade gozada pelas instituições sem fins lucrativos é condicionada à Certificação de Entidade Beneficente de Assistência Social – CEBAS. Assim, para gozar da imunidade de ITCMD, os governos dos Estados poderão exigir o CEBAS ou outra certificação própria.

  • Alterações no IPVA

As alterações trazidas pela Reforma ao IPVA foram duas. A primeira é a inclusão do inciso III ao §6º do art. 155 da Constituição, que permiti a incidência de IPVA sobre embarcações e aeronaves, o que não é autorizado pela Constituição em sua redação atual. Alvo de críticas a muito tempo, a impossibilidade de cobrar IPVA sobre barcos e aviões era uma incongruência no Sistema Tributário. A alteração vai ao encontro do novo princípio da Justiça Fiscal.

No entanto, alguns tipos de veículos ficam excluídos da incidência do tributo em razão de seu tipo de uso ser benéfico ou necessário à economia. Ficam imunes as aeronaves agrícolas e de operadores autorizados a prestar serviço de transporte aéreo (como as companhias aéreas); as embarcações de operadores autorizados a prestar serviço de transporte aquaviário (navegação de cabotagem, por exemplo) ou de pessoa física ou jurídica que pratique pesca industrial, artesanal, científica ou de subsistência; as plataformas marítimas que se movimentem por seus próprios meios; os tratores e máquinas agrícolas.

Vejamos o dispositivo da Reforma:

III – incidirá sobre a propriedade de veículos automotores terrestres, aquáticos e aéreos, excetuadas:

  1. a) aeronaves agrícolas e de operador certificado para prestar serviços aéreos a terceiros;
  2. b) embarcações de pessoa jurídica que detenha outorga para prestar serviços de transporte aquaviário ou de pessoa física ou jurídica que pratique pesca industrial, artesanal, científica ou de subsistência;
  3. c) plataformas suscetíveis de se locomoverem na água por meios próprios; e
  4. d) tratores e máquinas agrícolas.

A segunda alteração diz respeito a possibilidade (não se trata de obrigatoriedade, como no caso da progressividade do ITCMD) de que os Estados passem a instituir alíquotas diferenciadas de IPVA em razão do valor e do impacto ambiental do veículo. Vejamos a nova redação proposta para o inciso II do §6º do art. 155 da Constituição:

II – poderá ter alíquotas diferenciadas em função do tipo, do valor, da utilização e do impacto ambiental;

A redação atual permite a variação de alíquotas somente em razão do tipo de veículo (se de duas ou quatro rodas, se é caminhão etc.) e da utilização dada (veículos destinados à prestação de serviço de transporte podem ter alíquotas menores). A Reforma passa a autorizar a seletividade de alíquotas (que nada mais é do que selecionar alíquotas de maneira diferenciada segunda um critério eleito) em razão do valor e do impacto ambiental.

Assim, os Estados estarão autorizados (não obrigados) a cobrar alíquotas de IPVA mais elevadas de veículos de luxo e esportivos se comparadas àquelas cobradas de carros populares. Carros elétricos poderão ter alíquotas menores do que carros flex, que por sua vez podem ter alíquotas menores do que os veículos movidos a diesel; veículos com emissões de carbono menores, que gerem menos ruído (poluição sonora), que sejam mais econômicos podem experimentar imposto menor.

É importante destacar que uma vez que o Estado, mediante lei própria, estabeleça a seletividade de alíquotas, ela é de observância obrigatória. Não poderá o Estado prever alíquota favorecida para carros elétricos e, no entanto, também manter alíquotas favorecidas para veículos à diesel: seria uma contradição ao critério da proteção ambiental. O Supremo Tribunal Federal, em se tratando de seletividade de ICMS sobre a energia elétrica, estabeleceu que os Estados podem adotar a seletividade, mas que uma vez prevista, ela é obrigatória[1].

  • Novo tributo: Imposto Seletivo
  • Simplificação de tributos: IBS
  • Simplificação de tributos: CBS
  • Transição

 

[1] Tema 745 da Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal

Roberto Parentoni

Roberto Parentoni

Dr. Roberto Parentoni é advogado criminalista desde 1991 e fundador do escritório Parentoni Advogados. Pós-graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, é especialista em Direito Criminal e Processual Penal, com atuação destacada na justiça estadual, federal e nos Tribunais Superiores (STJ e STF). Ex-presidente do Instituto Brasileiro do Direito de Defesa (IBRADD) por duas gestões consecutivas, é também professor, autor de livros jurídicos e palestrante, participando de eventos e conferências em todo o Brasil.