Por: Igor Lopes Salmeirão, Advogado Tributarista

No dia 8 de fevereiro de 2023, o STF publicou o resultado do julgamento dos Recursos Extraordinários ns. 949.297 e 955.227 (temas da Repercussão Geral ns. 881 e 885, respectivamente), e fixou a seguinte tese:

  1. As decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo.2. Já as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo.

A tese, assim como os casos concretos de fundo, são demasiado complexos e dependem de maior análise do inteiro teor do Acórdão do STF, que ainda não foi publicado. No entanto, parece-nos possível, desde logo, propor alguns questionamentos e reflexões sobre a matéria.

No caso concreto, o que se discute é a incidência ou não da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL. A referida contribuição foi instituída pela Lei Ordinária n. 7.689/1988 que, ato contínuo, teve sua constitucionalidade questionada mediante Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 15 – ADI 15. O STF reconheceu a constitucionalidade da CSLL por Acórdão publicado em 31/08/2007 (quase 20 anos após publicação da lei).

Ocorre que, nesse interregno, vários contribuintes propuseram ações próprias frente ao Poder Judiciário Federal e obtiveram decisões favoráveis pela não incidência da CSLL (contribuintes como a Braskem, hoje parte em um dos Recursos Extraordinários julgados pelo Supremo), decisões essas que transitaram em julgado, formando, assim, coisa julgada.

Porém, em 2007, como já se disse, a Suprema Corte declarou a constitucionalidade do Lei 7.689/1988 que instituiu a CSLL. Criou-se, então, um problema constitucional: a quebra de isonomia tributária entre os contribuintes que obtiveram decisão favorável (que portanto estariam isentos de recolher o tributo) e aqueles que não obtiveram. É a essa controversa que o STF tenta dar solução com a tese proposta pelo Ministro Luís Roberto Barroso.

Quanto à Tese em si, de plano, sua primeira parte não parece causar grande alvoroço junto à comunidade jurídica e, também, não parece oferecer perigo ao bolso dos contribuintes. O que os Ministros assetaram foi, salvo melhor juízo, que as decisões proferidas em controle incidental de constitucionalidade (onde os efeitos da decisão afetam apenas as partes envolvidas no processo), quando anteriores ao regime de repercussão geral, não afastam automaticamente a coisa julgada. Leia-se, a decisão do STF, proferida em controle difuso de constitucionalidade, não é capaz de, por si só, afastar automaticamente a coisa julgada, dependendo, para tanto, de propositura de Ação Rescisória pela Fazenda Pública.

Significa dizer que, caso o contribuinte tenha decisão judicial favorável que afaste a incidência de dado tributo, não poderá o Fisco cobra-lo imediatamente caso o STF julgue em sentido contrário em sede de controle incidental de constitucionalidade. Para que possa exigir o tributo, deverá o Fisco, antes, ajuizar Ação Rescisória com vistas à revisão da coisa julgada.

Já quanto a segunda parte cabem maiores reflexões. Segundo o entendimento da Corte, suas decisões proferidas em ações diretas, bem como aquelas em regime de repercussão geral (onde os efeitos da decisão afetam a todos e não apenas as partes envolvidas), afastam imediata e automaticamente a coisa julgada naquilo que lhe for contrária. É dizer: as decisões do STF em sede de controle concentrado ou repercussão geral interrompem automaticamente a coisa julgada.

Assim, a coisa julgada foi relativizada no caso concreto em favor da isonomia tributária. No entendimento da Corte Suprema, suas decisões tem o poder de afastar o direito fundamental à segurança jurídica, previsto no art. 5º, inciso XXXVI, segundo o qual os fatos passados (o ato jurídico perfeito, o negócio jurídico e a coisa julgada) não podem ser prejudicados por medidas presentes ou futuras.

No entanto, e aqui reside a discussão, a própria tese afirma que serão “respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo”. Assim, segundo a Suprema Corte, data máxima vênia, ainda que as suas decisões tenham a qualidade de afastar a coisa julgada (quando em controle concentrado ou repercussão geral), não podem ser aplicadas de forma retroativa, ou seja, não podem gerar efeitos para trás.

Suponha que uma determinada indústria obtivesse decisão judicial favorável no sentido de excluir a incidência de IPI sobre determinada operação e que esse decisão tenha transitado em julgado, formando, assim, coisa julgada material; suponha ainda que, tempos depois, o STF venha a reconhecer a incidência do tributo, alterando o entendimento anterior. Nesse caso, o tributo passará a ser devido a partir da publicação da ata de julgamento definitivo, mas continuará indevido quanto aos fatos gerados passados.

Uma vez que a exação não era devida (por força de coisa julgada) e, em dado momento, passa a ser (por força de alteração jurisprudencial pelo STF), a irretroatividade tributária, prevista no art. 150, inciso III, alínea “a”, da Constituição Federal, impede a cobrança do tributo quanto aos fatos gerados pretéritos, então abarcados pela coisa julgada, agora revista.

Grande parte da controversa está no fato de que o Supremo se recusou a modular os efeitos de sua decisão. Nesse sentido, quando a Corte se manifesta em controle concentrado ou em regime de repercussão geral, sua decisão gera efeitos ex tunc, ou seja, retroativos. Assim, ao recusar a modulação de efeitos da decisão, o STF reafirma que sua tese (a de que suas decisões interrompem a coisa julgada) retroage, atingindo fatos pretéritos, o que está em clara contradição com o enunciado textual da tese, como se espera ter demonstrado.

Além disso, no caso concreto, o que se estaria fazendo é permitir à Fazenda a cobrança retroativa de CSLL daqueles contribuintes que não a recolhiam abarcados por coisa julgada, uma clara violação da segurança jurídica e da irretroativa de tributária.

Por fim, no que se refere ao respeito a “anterioridade anual e a noventena ou anterioridade nonagesimal”, a tese reafirma a previsão do art. 150, inciso III, alíneas “b” e “c” da Constituição Federal. Assim, caso o STF altere a jurisprudência (em sede de controle concentrado ou repercussão geral, frise-se) para o entendimento de que dado tributo passa a ser devido, a Fazenda Pública somente poderá exigi-lo a partir do exercício seguinte (anterioridade anual), ou após decorridos 90 dias (anterioridade nonagesimal), ambas contados a partir da publicação da ata de julgamento definitivo, o que a nosso ver é acertado.

Novamente, tratam-se de conclusões preliminares e somente a análise completa do Acórdão do STF, que ainda não aconteceu, poderá clarear melhor a discussão.

Roberto Parentoni

Roberto Parentoni

Dr. Roberto Parentoni é advogado criminalista desde 1991 e fundador do escritório Parentoni Advogados. Pós-graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, é especialista em Direito Criminal e Processual Penal, com atuação destacada na justiça estadual, federal e nos Tribunais Superiores (STJ e STF). Ex-presidente do Instituto Brasileiro do Direito de Defesa (IBRADD) por duas gestões consecutivas, é também professor, autor de livros jurídicos e palestrante, participando de eventos e conferências em todo o Brasil.