À GUISA DE PREFÁCIO

Investido nas elevadas funções de Reitor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, o autor, embora muito jovem, é pessoa por demais conhecida nos meios doutrinários, forenses e universitários do País. Uma original produção científica lhe assegura tranquilamente posto de relevo singular na literatura jurídica especializada. Obras como Natureza Jurídica da Contribuição de Melhoria (1964), Sistema Constitucional Tributário Brasileiro (1968), O Decreto-lei na Constituição de 1967 (1968), e Lei Complementar na Constituição (1971) marcam a trajetória da inquietação intelectual de um espírito constantemente preocupado e voltado para os magnos problemas do Direito Tributário, ciência que ele ajuda a construir em bases modernas. E a sua modernidade não se define em função de um rompimento com os autores clássicos, tais como A. D. Gianini, que ele desveladamente cultua e tanto contribuiu para divulgar entre nós, mas a partir de uma “reconstrução” crítica da doutrina tradicional do Direito Tributário.

No Brasil, a Constituição Federal caracteriza-se por disciplinar rígida e quase exaustivamente o quadro da tributação, descendo a minúcias que a individualizam em confronto com os outros diplomas políticos da atualidade. Essa circunstância está a indicar que o caminho metodológico mais aconselhável, para ser adotado como ponto de partida dos estudos jurídicos do tributo, está nos princípios e normas constitucionais discriminadores da competência tributária e reguladores do seu exercício. Todavia, sem o temor de incidir no elogio vulgar e gratuito, pode-se afirmar seguramente que ninguém no Brasil valorizou tanto os estudos jurídicos constitucionais da tributação quanto Geraldo Ataliba. De direito, essa posição de proeminência, e até de pioneirismo, lhe cabe. Além disso, nos seus pareceres e artigos, publicados em nossas revistas especializadas, a sua presença se faz constante e inquietadora pelo que representa a sua rebeldia contra os preconceitos econômicos, políticos e financeiros que ainda hoje dificultam, senão emperram, o progresso dos estudos dogmaticamente jurídicos do tributo.

(…)

Na Hipótese de Incidência Tributária, Geraldo Ataliba retoma esse tema com o mesmo desassombro que caracteriza a sua produção doutrinária anterior.

O progresso que decorre dessa monografia básica está representado pela distinção conceitual entre a hipótese de incidência do tributo e o fato material concretamente ocorrido em correspondência com o desenho legalmente traçado. A hipótese de incidência normativa é, na insuperada conceituação de Hensel, como que uma imagem abstrata do concreto estado de coisas. Mas, para Ataliba, o pressuposto normativo não se identifica nem se confunde com o por ele denominado “fato imponível”, que não tem outro significado, senão o que corresponde ao tradicional fato jurídico no campo tributário. Duas realidades distintas, e absolutamente irredutíveis entre si, uma de índole normativa, categoria jurídica – a hipótese de incidência – outra de natureza fáctica – o fato imponível – não poderiam suportar um tratamento científico unificado. Nesse ponto reside a grande importância da construção científica de Ataliba. Ela está solidamente alicerçada em sede de teoria geral do direito ou, mais especificamente, na teoria da incidência das normas jurídicas.

A hipótese de incidência é para Ataliba a descrição hipotética e abstrata do fato, operada por via legal. O fato imponível é o fato concreto que, ocorrido no tempo e no espaço, dá nascimento à obrigação tributária. Como, por sua vez, demonstrou definitivamente Pontes de Miranda, o fato jurídico é uma resultante da incidência da norma sobre o fato. Logo, a norma tributária, ao incidir sobre o fato concretamente ocorrido, juridiciza-o, converte-o em fato jurídico (tributário). Por essa via, o estudo do mal denominado fato gerador da obrigação tributária é reintroduzido no campo da teoria geral do direito. Deste modo, supera-se o preconceito metodológico, que durante muito tempo predominou na doutrina do Direito Tributário, de estudar o “fato gerador” como algo ontologicamente peculiar e específico ao campo do Direito Tributário.

Aliás, seria possível demonstrar, se o intento coubesse dentro dos estreitos limites dessas notas superficiais, que o estudo do “fato gerador” como fenômeno exclusivo do Direito Tributário nada mais significa que uma aplicação destorcida da tese autonomista, inadmissível nos moldes doutrinários até hoje propostos sem que seja expungida de notórios exageros e impropriedades. Urge, pois, recolocá-la nos seus devidos termos.

Ao fazer a aplicação das categorias básicas da hipótese de incidência e fato jurídico ao âmbito do Direito Tributário, a contribuição de Geraldo Ataliba enriquece as perspectivas futuras do estudo jurídico do tributo. Nesse ponto reside o principal mérito de sua monografia.

Recife, 1974

JOSÉ SOUTO MAIOR BORGES

Roberto Parentoni

Roberto Parentoni

Dr. Roberto Parentoni é advogado criminalista desde 1991 e fundador do escritório Parentoni Advogados. Pós-graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, é especialista em Direito Criminal e Processual Penal, com atuação destacada na justiça estadual, federal e nos Tribunais Superiores (STJ e STF). Ex-presidente do Instituto Brasileiro do Direito de Defesa (IBRADD) por duas gestões consecutivas, é também professor, autor de livros jurídicos e palestrante, participando de eventos e conferências em todo o Brasil.