Nosso Comentário: uma vez reconhecida a inconstitucionalidade do §1º do art. 2º da Lei n. 8.072/90, é possível a fixação de regime prisional diferente do fechado para o início do cumprimento de pena imposta ao condenado por tráfico de drogas – sendo aplicável a todos os crimes hediondos – devendo o magistrado observar as regras previstas nos artigos 33 e 59 do Código Penal.

EMENTA 1=> STJ, HC 325250/SP, Rel. Min. NEWTON TRISOTTO, QUINTA TURMA, publicado em 30/09/2015:

CONSTITUCIONAL. PENAL. HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO A RECURSO PRÓPRIO. TRÁFICO DE DROGAS. APREENSÃO DE 12,59 GRAMAS DE MACONHA, 25,12 GRAMAS DE COCAÍNA E 1,36 GRAMAS DE CRACK. PENA FIXADA EM 1 (UM) ANO E 8 (OITO) MESES DE RECLUSÃO. INCONSTITUCIONALIDADE DA OBRIGATORIEDADE DE IMPOSIÇÃO DO REGIM INICIAL FECHADO (STF, HC N. 111.840). HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.

  1. Prescreve a Constituição da República que o habeas corpus será concedido “sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder” (art. 5º, inc. LXVIII). O Código de Processo Penal impõe aos juízes e aos tribunais que expeçam, “de ofício, ordem de habeas corpus, quando, no curso do processo, verificarem que alguém sofre ou está na iminência de sofrer coação ilegal” (art. 654, §2º).

Desses preceptivos infere-se que no habeas corpus devem ser conhecidas quaisquer questões de fato e de direito relacionadas a constrangimento ilegal ou ameaça de constrangimento à liberdade individual de locomoção. Por isso, ainda que substitutivo do recurso expressamente previsto para a hipótese, é imprescindível que seja processado para perquirição da existência de “ilegalidade ou abuso de poder” no ato judicial impugnado (STF, HC 121.537, Rel. p/ acórdão Ministro Roberto Barroso, Primeira Turma; HC 111.670, rel. Ministra Cármen Lúcia, Segunda Turma; STJ, HC 277.152, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma; HC 275.352, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma).

  1. Para o Supremo Tribunal Federal, “se a Constituição Federal menciona que a lei regulará a individualização da pena, é natural que ela exista. Do mesmo modo, os critérios para a fixação do regime prisional inicial devem-se harmonizar com as garantias constitucionais, sendo necessário exigir-se sempre a fundamentação do regime imposto, ainda que se trate de crime hediondo ou equiparado” (HC n. 111.840/ES, Rel. Ministro Dias Toffoli).

À luz dessas premissas, declarou integralmente inconstitucional o §1º do art. 2º da Lei n. 8.072/1990 (HC 111.840/ES, Rel. Ministro Dias Toffoli) e, parcialmente, o §4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 (HC n. 97.256/RS, Rel. Ministro Ayres Brito). Destarte, se satisfeitos os pressupostos legais, aos réus condenados por crime não podem ser negados o regime prisional aberto ou semiaberto e a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (HC 306.980/SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 11/11/2014).

  1. No crime de tráfico de drogas, o fato de as circunstâncias judiciais serem favoráveis ao réu e de a pena privativa de liberdade aplicada ser inferior igual ou inferior a 4 (quatro) anos não lhe assegura, por si só, o direito de cumpri-la em regime aberto.

Dependendo da natureza (potencial lesivo à saúde), da variedade e/ou da quantidade da droga com ele apreendida, poderá ser imposto regime mais gravoso (Lei n. 11.343/2006, art. 42; STJ, AgRg no AREsp 202.564/RS, Rel. Ministro Félix Fischer, Quinta Turma, julgado em 10/02/2015; AgRg no REsp 1.462.967/SC, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 05/02/2015) e, ainda, obstada a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (AgRg na Rcl 21.663/SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Terceira Seção, julgado em 26/11/2014).

  1. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício, ratificada a liminar, para estabelecer o regime semiaberto para o cumprimento inicial da pena privativa de liberdade.

EMENTA 2 => STF, HC 111840/SP, Relator Min. Dias Toffoli

Habeas corpus. Penal. Tráfico de entorpecentes. Crime praticado durante a vigência da Lei nº 11.464/07. Pena inferior a 8 anos de reclusão. Obrigatoriedade de imposição do regime inicial fechado. Declaração incidental de inconstitucionalidade do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90. Ofensa à garantia constitucional da individualização da pena (inciso XLVI do art. 5º da CF/88). Fundamentação necessária (CP, art. 33, § 3º, c/c o art. 59). Possibilidade de fixação, no caso em exame, do regime semiaberto para o início de cumprimento da pena privativa de liberdade. Ordem concedida. 1. Verifica-se que o delito foi praticado em 10/10/09, já na vigência da Lei nº 11.464/07, a qual instituiu a obrigatoriedade da imposição do regime inicialmente fechado aos crimes hediondos e assemelhados. 2. Se a Constituição Federal menciona que a lei regulará a individualização da pena, é natural que ela exista. Do mesmo modo, os critérios para a fixação do regime prisional inicial devem-se harmonizar com as garantias constitucionais, sendo necessário exigir-se sempre a fundamentação do regime imposto, ainda que se trate de crime hediondo ou equiparado. 3. Na situação em análise, em que o paciente, condenado a cumprir pena de seis (6) anos de reclusão, ostenta circunstâncias subjetivas favoráveis, o regime prisional, à luz do art. 33, § 2º, alínea b, deve ser o semiaberto. 4. Tais circunstâncias não elidem a possibilidade de o magistrado, em eventual apreciação das condições subjetivas desfavoráveis, vir a estabelecer regime prisional mais severo, desde que o faça em razão de elementos concretos e individualizados, aptos a demonstrar a necessidade de maior rigor da medida privativa de liberdade do indivíduo, nos termos do § 3º do art. 33, c/c o art. 59, do Código Penal. 5. Ordem concedida tão somente para remover o óbice constante do § 1º do art. 2º da Lei nº 8.072/90, com a redação dada pela Lei nº 11.464/07, o qual determina que “[a] pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado“. Declaração incidental de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da obrigatoriedade de fixação do regime fechado para início do cumprimento de pena decorrente da condenação por crime hediondo ou equiparado.

Roberto Parentoni

Roberto Parentoni

Dr. Roberto Parentoni é advogado criminalista desde 1991 e fundador do escritório Parentoni Advogados. Pós-graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, é especialista em Direito Criminal e Processual Penal, com atuação destacada na justiça estadual, federal e nos Tribunais Superiores (STJ e STF). Ex-presidente do Instituto Brasileiro do Direito de Defesa (IBRADD) por duas gestões consecutivas, é também professor, autor de livros jurídicos e palestrante, participando de eventos e conferências em todo o Brasil.