Uma discussão, a qual classifico como relevante, sobre o Canabidiol, composto químico encontrado na planta Cannabis sativa, popularmente conhecida como maconha e não registrado oficialmente como medicação, está se arrastando num imbróglio jurídico envolvendo a ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária – e a Justiça brasileira, a qual prejudica muito os pacientes, numa jornada que está longe de terminar.

Importante esta discussão e sua rápida definição porque, de acordo com estudos científicos, o Canabidiol pode ser utilizado no tratamento de doenças como câncer, aids, glaucoma, crises epilépticas e convulsivas, esclerose múltipla e dores associadas a doenças que acometem o sistema nervoso central. Ao contrário da discussão sobre a liberação do consumo da maconha para uso “recreativo” (caso em que o usuário pode sofrer de taquicardia, secura na boca e vermelhidão nos olhos, efeitos variados que vão da euforia ao mal-estar e à sensação de infelicidade, delírios e alucinações também são registrados. Instalada a dependência, surgem crises de abstinência: irritabilidade, insônia, instabilidade de humor e ansiedade), por ora suspensa no Supremo Tribunal Federal (STF), envolvendo a posse de drogas para consumo próprio e sua descriminalização, fato que ensejou nosso artigo anterior intitulado “A liberação das drogas e a sociedade”.

Diferem as discussões, pois, em seus objetivos. Dizem os especialistas que o Canabidiol, além de ser benéfico para os pacientes portadores de doenças crônicas, não causa vício, dependência ou psicose, por se tratar de um extrato retirado das folhas da maconha.

A ANVISA resiste à liberação e alerta para o fato da ciência não ter listado todos os efeitos da droga. No entanto, apesar do composto continuar na lista de substâncias proibidas, seu uso medicinal e para pesquisa foi “liberado” por decisão da Justiça. A agência já disse que vai recorrer da decisão. Se a decisão da justiça for favorável à agência, a nova regulamentação será suspensa.

Na prática, o que pesa para os pacientes é a imensa burocracia que faz com que muitos morram antes do fim do processo de liberação. Depois que o médico prescreve o tratamento, o medicamento precisa ser importado, o que somente acontece após a autorização da ANVISA. Um formulário próprio precisa ser enviado à Agência para importação e utilização do medicamento, mediante apresentação da prescrição, laudo médico e declaração de responsabilidade assinada pelo médico e paciente.

Tal pedido pode, no entanto, ser negado e assim famílias passaram a reivindicar na Justiça o direito de utilizar a cannabis sativa para várias enfermidades. Outros foram mais longe e um grupo secreto foi formado e age fora da lei, plantando maconha, fazendo o remédio e distribuindo de graça para as famílias desesperadas para ajudar os filhos doentes, conforme mostrou a reportagem recente de uma grande emissora brasileira de televisão.

Acaba-se, assim, promovendo a judicialização dos tratamentos médicos, o que poderia e deveria ser resolvido entre os envolvidos. A Justiça intervém do por demais em território que não é dela.

Precisamos que o Congresso Nacional faça a sua parte, legislando a favor da sociedade, nesse caso, os pacientes que precisam do tratamento com o Canabidiol. Que promova um debate amplo sobre o assunto. Que promova a lei que regule essa situação desastrosa em que vivem esses pacientes.

O que podemos observar é que está ocorrendo um processo de desburocratização do uso medicinal, com leis e resoluções que vão se sobrepondo umas às outras, sem contudo haver uma mudança estrutural.

Atentemos também para o fato de que se o país for produzir maconha para uso medicinal, ou algum derivado da droga, o que será plantado precisará de um controle rigoroso. Há, inclusive, uma proposta para criação de uma agência pública que regulamente a plantação, fabricação, e comercialização da maconha e viabilize o uso medicinal da droga.

Roberto Parentoni

Roberto Parentoni

Dr. Roberto Parentoni é advogado criminalista desde 1991 e fundador do escritório Parentoni Advogados. Pós-graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, é especialista em Direito Criminal e Processual Penal, com atuação destacada na justiça estadual, federal e nos Tribunais Superiores (STJ e STF). Ex-presidente do Instituto Brasileiro do Direito de Defesa (IBRADD) por duas gestões consecutivas, é também professor, autor de livros jurídicos e palestrante, participando de eventos e conferências em todo o Brasil.