O Tribunal Penal Internacional (TPI) foi criado na “Conferência Diplomática de Plenipotenciários das Nações Unidas sobre o Estabelecimento de um Tribunal Penal Internacional”, realizada na cidade de Roma, entre os dias 15 de junho a 17 de julho de 1998. Precisamente, essa criação ocorreu no último dia da Conferência, mediante a aprovação do Estatuto do Tribunal (“Rome Statute of the International Criminal Court”, doravante Estatuto), que possui a natureza jurídica de tratado e entrou em vigor após sessenta Estados terem manifestado seu consentimento, vinculando-se ao TPI (art. 126 do Estatuto), de acordo com suas normas de competência interna para a celebração de tratados. A data de entrada em vigor foi o dia 1º de julho de 2002.

O Tribunal Penal Internacional será um tribunal permanente capaz de investigar e julgar indivíduos acusados das mais graves violações de direito internacional humanitário, os chamados crimes de guerra, de crimes contra a humanidade ou de genocídio. Diferente da Corte Internacional de Justiça, cuja jurisdição é restrita a Estados, o TPI analisará casos contra indivíduos; e distinto dos Tribunais de crimes de guerra da Iugoslávia e de Ruanda, criados para analisarem crimes cometidos durante esses conflitos, sua jurisdição não estará restrita a uma situação específica. A jurisdição do TPI não será retroativa.

Os governos têm feito reuniões da Comissão Preparatória das Nações Unidas por um TPI na sede das Nações Unidas, em Nova Iorque, e finalizaram um projeto de normas complementares de caráter processual para investigar e processar genocídios, crimes contra a humanidade e crimes de guerra. Eles também aprontaram um projeto sobre elementos constitutivos desses crimes, o orçamento do Tribunal, o relacionamento entre a ONU e o TPI e outros instrumentos adicionais ao tratado. Todos estes documentos foram aprovados pela primeira Assembléia dos Estados-Partes. Seguem os debates sobre a definição do crime de agressão.

Ao mesmo tempo, o apoio ao Tribunal deve ser o mais amplo possível, além de os Estados-Partes terem de adotar legislação interna complementar para permitir uma plena cooperação com o TPI. Muitos acreditam que tais legislações em si mesmas representam um grande avanço do Estado de Direito, ao combater a impunidade e prevenir e reduzir a comissão desses crimes no século XXI.

Quanto aos delitos comuns atentatórios de interesses dos Estados, os crimes internacionais, são subdivididos em algumas espécies. As tipificações destinadas aos Estados, geradas no âmbito das Nações Unidas, como obrigação internacional decorrente da própria Carta da ONU para a persecução e punição, no direito interno, de crimes universalmente reprováveis, tais como o genocídio, a segregação racial e a tortura.

Noutra vertente, as tipificações penais não destinadas aos Estados compreendem o resultado da evolução progressiva nas obrigações, por via convencional entre os Estados, de processar e punir crimes como a pirataria aérea e aponderamento ilícito de aeronaves, escravidão, tráfico de mulheres e de crianças, terrorismo e seqüestro de pessoas internacionais protegidas.

Existem ainda as tipificações que podem ser resultado da evolução

progressiva nas obrigações por via consuetudinária, a exemplo do Convênio Internacional para Repressão de Circulação de Publicações Obscenas – 1923, do Convênio Internacional para Repressão de Competência Fraudulenta, abordando o dever de extradição e do Convênio de Berna sobre envio de correspondência perigosa.

Grande questão acerca da Responsabilidade Penal Internacional sempre foi determinar se a pessoa humana é sujeito do Direito Internacional ou objeto deste. A questão não é pacífica entre os estudiosos do assunto. As correntes doutrinárias que versam sobre a personalidade internacional do indivíduo são inúmeras, porém podemos dividi-las em dois grandes grupos: os que negam e os que afirmam ser o homem sujeito do Direito Internacional.

Assim, pode-se dizer que os tipos penais previstos no Estatuto de Roma atingem o interesse do indivíduo, seja no pólo ativo, seja no passivo, de forma indireta. A satisfação do interesse dos indivíduos no âmbito do direito penal internacional dá-se através do concurso de terceiros, mesmo porque ao indivíduo é negado o direito de representação ou queixa diretamente perante a Corte.

Deve-se lembrar, também, que todos os quatro tipos de crime previstos no Estatuto de Roma se referem a crimes coletivos, “em massa”, onde a identificação do sujeito passivo ou do direito individual afetado é irrelevante. Importa, sim, a preservação e a recomposição de um direito coletivo, apesar de o Estatuto prever no artigo 75 o direito de reparação às vítimas, pagamento que será efetuado a partir de um Trust Found (art. 79) composto de capital dos Estados Parte, das Nações Unidas e de colaboradores individuais. A tutela de interesses coletivos, difusos, cabe ao Estado (in casu, à Corte), tocando ao indivíduo somente de forma indireta.

Por responsabilidade internacional deve-se entender que é o instituto de Direito Internacional, através do qual é imputado a um Estado um ato ilícito, com o conseqüente dever de reparação. DIREITO PENAL INTERNACIONAL DIREITO INTERNACIONAL PENAL SUJEITO ATIVO Indivíduo Responsabilidade do Estado SUJEITO PASSIVO Indivíduo Indivíduo TRIBUNAL Ad hoc (i. E. Nuremberg, Tokio, ex-Iugoslávia e Ruanda) e Tribunais Nacionais. Corte Internacional de Direitos Humanos (Convenção de San José da Costa Rica); Corte Internacional de Estrasburgo (CE). LEGITIMIDADE ATIVA Estados e outros órgãos com personalidade internacional (exceto indivíduos) Estados (modernamente tem se admitido.

O Estatuto do Tribunal Penal Internacional Permanente veio, em resposta às violações dos direitos humanos, representa um grande avanço no direito internacional e no direito internacional penal. Se tanto internacionalistas como penalistas negavam a inexistência deste último, suas teses não mais têm como prosperar. Sustentava-se que não pode haver um Direito Internacional Penal enquanto inexistentes se acharem os delitos e as penas internacionais. À guisa de exemplificação, Enrico Ferri, afirmava que somente seria possível falar-se de um Direito internacional penal a partir do momento em que se organizasse entre os Estados uma justiça penal. Embora não seja exatamente isso em que se formou o Estatuto de Roma, seu conteúdo não passa longe dessa pretensão.

Para os que esperavam um organismo internacional capaz de ditar leis e impor sanções, o Estatuto se amolda perfeitamente para o cumprimento desse papel, tendo em seu bojo toda a instrumentalidade necessária, bem como consagra que o processo de consolidação definitiva da condição do indivíduo como sujeito do Direito Internacional, sobre o que também não há como pairar dúvidas, haja vista que se um dia a repressão dos crimes internacionais cabia tão somente aos Estados e as normas de Direito Internacional não se projetavam na esfera jurídica dos indivíduos, a realidade atual é outra.

Com o advento do Estatuto, desmoronam posições que negam a personalidade jurídica do indivíduo no plano internacional, eis que o instrumento em questão veio também reforçar o suprimento dessa lacuna apontada por alguns expoentes da doutrina do Direito das Gentes.

Não há como negar a consolidação da responsabilidade internacional penal do indivíduo a partir do advento do Estatuto de Roma. Perante este, o tribunal teria jurisdição sobre as pessoas naturais. E, o indivíduo que cometesse um crime sob a jurisdição do Tribunal seria individualmente responsável e passível de sanção. No caso em que se cometesse crime individualmente ou em conjunto ou por meio de outrem – seja este ou não penalmente responsável, também estaria o sujeito passível de apreciação pelo tribunal.

Segundo o Estatuto, haveriam também diante do tribunal excludentes de responsabilidade, quais sejam: doença mental, ou estar, durante a prática do delito, em estado de intoxicação que a prive de sua capacidade de entender a ilicitude de sua conduta, agir em legítima defesa própria ou de terceiro (crime de guerra ou estado de perigo), além de cometer o crime sob coação ou ameaça de morte ou de contínua ameaça de lesão corporal.

Embora seja uma grande vitória o estabelecimento do Tribunal Penal Internacional existem críticas ao fato de no Estatuto de Roma não haver menção a alguns crimes graves que são considerados por muitos como crimes contra a humanidade. Fala-se aqui em crimes ambientais internacionais, crimes internéticos transnacionais, tráfico internacional de entorpecentes e lavagem internacional de dinheiro.

Os crimes sob a jurisdição do tribunal seriam o de genocídios, contra a humanidade, de guerra e de agressão. Sendo que diversas condutas quando praticadas com a intenção de destruir total ou parcialmente um grupo nacional, étnico, racial ou religioso: matar membros do grupo, causar lesão grave à integridade física ou mental de membros do grupo, submeter intencionalmente o grupo a condições de existência capazes de ocasionar-lhes a destruição física, total ou parcial, adotar medidas destinadas a impedir os nascimentos no seio do grupo ou efetuar a transferência forçada de crianças do grupo para outro grupo.

Já os crimes contra a humanidade são aqueles em que alguns dos seguintes atos são praticados como parte de um ataque generalizado ou sistemático contra uma população civil e com conhecimento de tal ataque: homicídio, extermínio (imposição intencional de condições devida, tais como a privação ao acesso a alimentos e remédios dirigidos a causar a destruição de parte de uma população), escravidão, deportação ou transferência forçada de populações, encarceramento ou outra privação grave de liberdade física, em violação as normas básicas do direito internacional, a tortura, o estupro, a escravidão sexual, a prostituição, a gravidez forçada, a esterilização forçada ou outros abusos sexuais de gravidade comparável.

Ainda se enquadram como crimes contra a humanidade a perseguição de um grupo ou coletividade com identidade própria, fundada em motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos, de gênero (masculino/feminino) ou outros reconhecidos internacionalmente como inaceitáveis – privação intencional e grave de direitos fundamentais, em violação ao direito internacional, em razão da identidade do grupo ou coletividade, o desaparecimento forçado de pessoas (prisão), detenção ou o seqüestro de pessoas por um Estado ou organização política, ou com aquiescência, ou apoio destas, seguido da recusa a admitir tal privação de liberdade ou a dar informações sobre o paradeiro destas pessoas, com o intuito de deixá-las sem o amparo da lei por período prolongado.

O crime de “apartheid”, atos desumanos de caráter similar aos citados acima num contexto de um regime institucionalizado de opressão e dominação sistemáticas de um grupo racial sob outros grupos raciais e com a intenção de manter tal regime ou atos desumanos similares a estes que tragam dano a integridade física ou a saúde mental ou física também se encaixam no rol dos crimes contra a humanidade.

Ademais, o Tribunal terá jurisdição sobre os crimes de guerra, em particular quando cometidos como parte de um plano ou política ou como parte da política em grande escala de certos crimes: como a violação grave das Convenções de Genébra, cometidos contra os indivíduos e bens protegidos pela Convenção de Genébra, o homicídio doloso, submissão à tortura ou outros meios desumanos, como experiências biológicas, infligir de forma deliberada grandes sofrimento ou atentar gravemente contra a integridade física ou à saúde, destruir bens e apropriar-se deles injustificadamente para atender as necessidades militares, em grande escala, de maneira ilícita e arbitrariamente, obrigar um prisioneiro de guerra a prestar serviços à potência inimiga, privar de forma deliberada o prisioneiro de guerra ou outro indivíduo do seu direito a um processo justo e imparcial, tomar reféns e submeter a deportação, transferências ou confinamentos ilegais.

Existem ainda outras violações graves das leis e usos aplicados aos conflitos armados internacionais atos como: dirigir intencionalmente ataques contra a população civil, ou contra civis que não participem diretamente das hostilidades, dirigir intencionalmente ataques contra bens de civis, que não são objetivos militares, dirigir intencionalmente ataques contra pessoal, instalações, material unidades ou veículos participante de missão de manutenção de paz ou assistência humanitária – em conformidade com a Carta das Nações Unidas, utilizar de modo indevido a bandeira branca, a bandeira ou insígnias das Nações Unidas, numa espécie de emboscada.

Ainda como violações graves das leis e usos aplicados aos conflitos armados internacionais atos como ataques dirigidos a monumentos de caráter religioso, cultural ou que afetem o meio ambiente, ou a hospitais e locais onde se agrupem doentes e feridos, declarar abolidos, suspensos, ou inadmissíveis em um tribunal os direitos e ações nacionais da parte inimiga, utilizar veneno ou armas envenenadas, utilizar gazes asfixiantes, tóxicos ou similares ou qualquer material análogo, cometer ultrajes degradantes a dignidade de indivíduos, em particular tratamentos humilhantes e degradantes, estupro, escravidão sexual, provocar intencionalmente a inanição da população civil ou recrutar para participar ativamente das hostilidades ou alistar menores de 15 anos nas forças armadas nacionais ou utiliza-las.

Por fim, o tribunal exercerá jurisdição ainda sobre o crime de agressão quando for aprovado um dispositivo através de emenda ou revisão do estatuto de Roma, que venha a definir o crime e as condições nas quais o tribunal virá a exercer jurisdição sobre tal. Vale ressaltar que, para a definição dos crimes a serem submetidos a jurisdição do Tribunal penal Internacional é preciso aprovação de uma maioria de dois terços dos membros da assembleia dos estados-membros.

Roberto Parentoni

Roberto Parentoni

Dr. Roberto Parentoni é advogado criminalista desde 1991 e fundador do escritório Parentoni Advogados. Pós-graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, é especialista em Direito Criminal e Processual Penal, com atuação destacada na justiça estadual, federal e nos Tribunais Superiores (STJ e STF). Ex-presidente do Instituto Brasileiro do Direito de Defesa (IBRADD) por duas gestões consecutivas, é também professor, autor de livros jurídicos e palestrante, participando de eventos e conferências em todo o Brasil.