Tem uma espinha entalada na garganta dos operadores do Direito brasileiro desde o dia 17 de fevereiro de 2016, quando o STF – Supremo Tribunal Federal rejeitou a guarda da Constituição Federal e colocou em risco o Estado Democrático de Direito.

Juristas que já deixaram este mundo insano reviram-se em seus túmulos. E juristas que ainda vivem nele, revoltam-se com o retrocesso que implicou a temerária decisão. Pela nossa Constituição Federal, ninguém poderá ser considerado culpado até que não haja mais possibilidade de recurso e exista, então, uma sentença condenatória de última instância, o que chamamos de “transitada em julgado”.

Em julgamento de habeas corpus, na data de ontem, a nossa Suprema Corte decidiu contra a presunção de inocência, conforme artigo 5º, LVII, que diz que ninguém será julgado culpado até trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Mudou, segundo ela, sua orientação jurisprudencial, ou seja, em julgamentos anteriores fixou-se o entendimento de que a prisão só seria possível com o trânsito em julgado. Penso, no entanto, que não só a Constituição foi descumprida, mas também os pactos internacionais de que o Brasil é consignatário, como o Pacto de São Jose da Costa Rica, entre outros.

Estarrecedor é também um dos motivos alegados para a decisão que foi a “opinião pública” ou a “vontade das ruas”.

Advogados concordam que a mudança no pensamento da Corte ocorreu em vista das manifestações populares. Aos que estão felizes com a decisão do STF, seja operador do Direito ou integrante da plebe ignara, flertam com algo muito perigoso. Seus pensamentos e análises restringem-se a uma concepção das coisas que absolutamente não são como imaginam. É um tiro no pé.

Antes que algum leitor pense que estou defendendo alguma religião, digo que respeito o Estado laico, independente de estar em nossa Constituição, e o STF, mas diante do fato ocorrido não posso deixar de assinalar que a religião cristã conta a história da “manifestação popular”, do “clamor das ruas”, do “apelo popular” que condenou Jesus Cristo.

Com a decisão inesperada do STF poderá acontecer de o cidadão ser preso e depois, num próximo recurso, ser declarado inocente, ou ter seu processo anulado, ou julgado ilegal, ser preso em regime prisional incorreto, entre outras coisas. O estrago estará feito e não adianta dizer que foi injustiça. Não cabe “mimimi”. Os operadores do Direito têm conhecimento do alto índice de reforma de sentenças que ocorrem no STJ – Superior Tribunal de Justiça e no próprio STF – Superior Tribunal Federal.

Preocupante é que podemos esperar novas decisões desse calibre, ou seja, perdemos a garantia de que a Constituição é salvaguardada pelo STF. Isto traduz-se em insegurança jurídica, desestabilização e medo.

E quem guarda o STF? Precisamos nos mobilizar. Os operadores do Direito precisam se manifestar a favor do cumprimento da Constituição. Penso também que é uma oportunidade para sociedade refletir sobre a forma em que está estruturada a nomeação dos Ministros da STF e se não seria mais saudável que fossem eleitos.

Lendo sobre esse caso, tive ainda a infeliz oportunidade de acompanhar a fala do Procurador-Geral da República, no ápice do cargo destinado aos ditos Promotores de Justiça.

Com todo o respeito a ele, que disse na quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016, que a decisão do Supremo é um passo decisivo contra a impunidade no Brasil (Agencia Brasil), seria mais lógico que antes de defender a violação da Constituição Federal e dos Direitos e garantias individuais dos cidadãos, que defendesse e lutasse, antes, pela mudança da Constituição, pela extinção da terceira instância e a bem-vinda mudança da nomenclatura de Promotores de Justiça para Promotores de acusação.

Roberto Parentoni

Roberto Parentoni

Dr. Roberto Parentoni é advogado criminalista desde 1991 e fundador do escritório Parentoni Advogados. Pós-graduado pela Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, é especialista em Direito Criminal e Processual Penal, com atuação destacada na justiça estadual, federal e nos Tribunais Superiores (STJ e STF). Ex-presidente do Instituto Brasileiro do Direito de Defesa (IBRADD) por duas gestões consecutivas, é também professor, autor de livros jurídicos e palestrante, participando de eventos e conferências em todo o Brasil.